As últimas semanas foram de grande polêmica em relação às expectativas para o IPO do Nubank. Muitos gestores nacionais mantinham-se céticos sobre como um app bacana e um cartão roxinho poderiam valer mais que o Itaú e tantos outros bancos grandes listados no Brasil. Afinal, o Nubank, no momento atual, não tem a mínima capacidade de alcançar resultados de lucratividade próximos dos líderes de mercado.
Nós na Catarina tivemos um super embate interno para evoluir na modelagem de nossa decisão para comprar ou não o ativo. De fato, Nubank tem muitas potencialidades: é o maior Neobank no mundo atual, com resultados mais agressivos de tração e engajamento na comparação com peers respeitados internacionalmente, como Revolut e Acorns, por exemplo. Na comparação com Banco Inter, chega a ser ingrato o quanto o Roxinho tem resultados muito mais animadores em termos de atração, retenção, atendimento e upsell de soluções financeiras para seus clientes. É o cavalo a ser batido, numa vertical de experiência financeira que parece não ter volta frente à demanda.
Nem tudo são flores, obviamente. O roxinho enfrenta desafios relevantes que deveriam estar, de certa forma, embutidos na precificação audaciosa que foi proposta ao mercado no IPO. Há muito o que se validar e executar para ter uma visão mais clara sobre a real capacidade de escala de seu projeto de internacionalização, sua real condição para aumento agressivo de margem e, em especial, na viabilização de avanços reais para aumento da monetização de sua base de clientes. O Nubank precisa evoluir a ponto de ser uma fintech com avaliação próxima a peers com alto nível de disrupção na cadeia financeira, como PayPal e Square, mesmo que diante de escopos de negócio sensivelmente diferentes.
Nosso modelo, pautado em fundamentos de Tecnologia, Finanças, Mercado e Pessoas (TFMP), trouxe uma posição inicial de compra, com concentração leve (quase 2% do total do Fundo), dentre nosso portfólio total de 25-30 ativos, sempre com visão de longo-prazo e possibilidade de aumento da alocação conforme entrega dos resultados planejados, não apenas financeiros, mas sim de desenvolvimento de negócio em linha com milestones assinalados pela tese de crescimento exponencial da empresa.
Agora, vamos comentar sobre um fato curioso que ocorreu conosco na Catarina Capital em relação a este IPO e que, para nós, é bastante simbólico sobre uma assimetria grave entre investidores estrangeiros e brasileiros quando tratamos da análise de ativos de base tecnológica forte.
Quando buscamos interagir com as equipes locais dos bancos líderes da oferta, para nos mostrar interessados em investir, tínhamos a certeza de que não teríamos espaço de alocação – não iriam abrir espaço para uma gestora catarinense de menor volume de ativos sob gestão, por mais que especialista na temática tech. Fomos, no entanto, bastante surpreendidos – aparentemente havia espaço, em volume considerável, para participação na largada do ativo na Bolsa.
A disponibilidade da oferta nós deixou encucados. Nossa equipe é composta por gente muito experiente em Equities e a oportunidade, que parecia positiva num primeiro momento, logo se transformou em certo ceticismo: será que Nubank não estava tendo boa aceitação no mercado? Todos estavam achando o preço esticado demais?
Para buscar mais informações e entender um pouco a temperatura da oferta, decidimos propor conversas com outros players especializados em tech nos EUA. A reação ao entrar em contato com investidores estrangeiros foi ainda mais surpreendente! Casas importantes, de renome, não tinham espaço para entrar no IPO através das equipes de atendimentos dos coordenadores da oferta nos EUA. É claro, há muito de estratégia comercial de FOMO neste contexto, mas ficamos abismados quando surgiram propostas de parcerias conosco para que viabilizássemos a entrada de investidores estrangeiros no Nubank através da relação com as equipes brazucas responsáveis pela distribuição do NU.
Papo vai, papo vem, uma pergunta de um colega em São Francisco chamou muita atenção: “mas como pode o Neobank com maior crescimento de mercado não estar super hot para alocação aí no próprio país de vocês? O que vocês sabem que nós não sabemos?”
A resposta típica que demos foi a que ouvimos dos gestores locais: um receio grande frente ao preço da largada, visto a referência de que o papel passaria a valer mais do que até mesmo o grande-poderoso Itaú na sua largada do mercado.
O comentário posterior foi também bastante simbólico: “mas o que o Itaú tem a ver com o Nubank? Vocês estão investindo numa disrupção tecnológica ou no setor de bancos?”.
É claro que a resposta adequada aqui adequada seria dizer “Ambos”. Mas foi curioso ver o nível de indignação e o mindset de um investidor estrangeiro especializado em cobrir operações de tecnologia. Claro, no nosso caso, foi bom sentir que não somos um alienígena no meio de um mercado tão preocupado com preço e tão menos diligente em aspectos técnicos essenciais de uma empresa tech, que exige uma jornada de longo-prazo para tangibilizar sua capacidade de geração de valor.
O IPO veio e, para surpresa de muitos, houve ótima aceitação do papel. Neste primeiro dia pós-pregão, nos sentimos felizes de ver como uma Tech brazuca pode ser sim vista como um player disruptivo de fato, com potencial global, de crescimento – devidamente avaliado com essa perspectiva por investidores especialistas ao redor do mundo.
Ainda há muita água pra correr e é claro que a alta do primeiro dia, totalmente impulsionada por estes investidores estrangeiros, exemplifica o abismo que existe nos fundamentos de análise em tech para gestores internacionais e gestores brazucas, que insistem em não separar o joio do trigo e estereotipar qualquer app ou e-commerce que aparece por aí como uma solução de tech. É fundamental dissociar tech-dressed companies que vieram à B3 para salvar a liquidez de Venture Capitalists, de empresas que buscam no acesso à mercado o caminho natural de desenvolvimento de negócios em estratégias de crescimento cada vez mais agressivas. Não dá pra jogar tudo no mesmo balaio e comparar o mercado atual com analogias dos tempos das pontocom. É ignorância demais.
Uma boa largada está longe de ser sinal certeiro de sucesso. Foi importante ver hoje como Nubank pode ser sim um choque de realidade para os gestores nacionais, mesmo que assistindo só ao primeiro capítulo de uma história longa que, no momento atual, acontece no meio de um contexto macro de grande instabilidade, especialmente para as techs. Atenção extrema e stock picking são ainda mais essenciais nos dias de hoje.
Agora, o ego agradece pelo dia prazeroso e, ao mesmo tempo cansativo, ao receber ligações de nomes importantes de mercado com elogios à nossa “audácia” pela “aposta” no Nubank. Lego engano. Tech não se trata de cassino. Precisamos abrir a cabeça dos gestores nacionais para que possam entender que existe sim disrupção tecnológica brasileira que possa avançar pelo mundo. Embraer e WEG que o digam. Por que não podemos fazer isso também em Neobanking?
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